quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A revelação de Cristo pelo Espírito



G. Campbell Morgan

A restauração do homem para Deus forçosamente resulta na restauração para o homem do conhecimento de Deus. O propósito original na criação do homem era que fosse um ser capaz de conhecer o próprio Deus, em comunhão e cooperação com ele. Tudo isto é restaurado em Cristo. Assim como a união vital entre Deus e o homem é criada e mantida pelo Espírito, também a obra de revelar Deus ao homem é do Espírito. «O Espírito tudo esquadrinha, até as profundezas de Deus», e estas «coisas que os olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem subiram ao coração do homem… são as que Deus preparou para os que o amam», quer dizer, as coisas do amor de Deus em Cristo, das que o homem na inteligência nublada era ignorante, «Deus nos revelou pelo Espírito» (1ª Coríntios 2:9, 10). Assim, enquanto que em Cristo Deus tem se provido de um Meio de revelação própria, Cristo é revelado ao homem pelo Espírito.

Este esquema da revelação deve ser compreendido se houver uma verdadeira apreciação da revelação em si. Este perfeito sistema está revelado nos últimos discursos de Jesus aos seus discípulos antes da sua paixão. Quando Felipe, como porta-voz da humanidade caída (ainda que não o compreendesse cabalmente), disse a Jesus: «mostra-nos o Pai, e nos basta» (Jo. 14:8), não houve nem dúvida nem incerteza na resposta do Senhor. Claramente disse: «quem me vê a mim, vê o Pai» (Jo. 14:9).

Esta declaração está em perfeita harmonia com a inspirada afirmação de João de que «ninguém jamais viu a Deus; o Unigênito filho, que está no seio do Pai, o deu a conhecer» (João 1:18). Não há maneira em que ele possa conhecer a Deus salvo por meio de Cristo. Toda tentativa da parte do homem de formular um conceito de Deus, ou declarar uma doutrina concernente a ele, é inútil, a menos que o conceito e a doutrina se apóiem sobre a revelação que ele tem feito de si mesmo em Cristo, e sejam sempre fiéis a ela.



A obra do Espírito Santo

Reconhecendo a inabilidade do homem para conhecer a Deus por si mesmo, o Senhor também reconhece que os homens eram incapazes de compreender a revelação de Deus em si mesmo, salvo que for explicada por esse Espírito que «tudo esquadrinha, até o profundo de Deus» (1ª Cor. 2:10). Portanto, imediatamente depois da pergunta de Felipe, deu a promessa do Espírito, junto com um ensino a respeito dele, que prepararia os discípulos para a sua vinda e obra. Desse ensino final serão suficientes como cabeçalho, três declarações principais:

a) «O Espírito Santo – aquele que vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que eu vos tenho dito» (João 14:26)

b) «O Espírito da verdade – ele dará testemunho a respeito de mim» (João 15:26).

c) «O Espírito da verdade – ele me glorificará; porque tomará do que é meu, e vos fará saber» (João 16:13, 14).

Estas palavras claramente demonstram duas coisas. Primeiro, que a obra do Espírito é essencialmente a de revelar a Cristo a aqueles em quem ele tem feito morada; e segundo, que o homem só pode conhecer a Cristo mediante a iluminação do Espírito, assim como o homem só pode conhecer a Deus pela revelação de Cristo.

Qualquer cristologia que ele não seja o resultado direto do ensino do Espírito é falsa, porque o mistério da sua pessoa e o significado da sua obra são igualmente inescrutáveis para a mente entenebrecida do homem, e só podem ser compreendidos à medida que a luz de Deus desce sobre eles. Por meio de Cristo, o Espírito da verdade habita no crente e por meio do Espírito da verdade, portanto, Cristo chega a ser o Morador. Sendo ele revelado ao homem pelo Espírito, o homem é restaurado para o conhecimento de Deus que tinha perdido por causa do pecado.

O conhecimento que o homem tem de Deus mediante Cristo pelo espírito pode contemplar-se, então, considerando primeiro a revelação de Cristo pelo Espírito; em seguida, a compreensão de Cristo por meio do Espírito; e finalmente o conseqüente conhecimento de Deus.



Uma revelação individual e histórica

A revelação que o Espírito tem feito de Cristo foi individual e histórica. Começou a sua obra com indivíduos, e depois por consideração às gerações vindouras e em cooperação com elas, procedeu para prepará-las para o futuro. Por revelação pessoal de Cristo a indivíduos preparou a homens para deixar um registro escrito no tocante a Cristo. Em seguida, mediante homens assim preparados veio ser o Autor do novo registro. Completada essa narração, deu uma exposição dela através dos séculos, em constante cooperação com os homens.

O Espírito começou a sua obra quando no dia do Pentecostes batizou àquelas almas que se achavam em atitude de espera, em uma nova união com Deus em Cristo. Ao traçar a sua obra, pois, é necessário começar com os Atos dos apóstolos, enquanto que, é obvio, ao estudar a sua revelação, a estrutura do Novo Testamento é a verdadeira ordem. Nos Atos dos apóstolos vemos o Espírito comunicando vida aos homens individuais, e em seguida dirigindo-os definitiva e imediatamente em todos os assuntos de sua vida.

Uma das notas destacadas da narração da igreja primitiva é de como estes homens foram especificamente guiados pelo Espírito, e não obstante, sempre se observa que a sua ação sob a sua direção é de lealdade a Cristo. O Espírito impede ou impele, mas são restringidos quando ele impede, ou seguem adiante quando ele impele, sendo leais a Cristo. Assim é evidente que embora estes homens fossem conscientes da constante interposição do Espírito, reconheciam que esta era uma interpretação da vontade do seu coroado Senhor para eles.

Eventualmente, para a consolação da igreja em sua relação a Cristo, e para a continuidade do seu sentido de Cristo, era necessário que se escrevesse esse relato dele como uma pessoa na história, constituindo uma base perpétua para a interpretação do Espírito. Desta necessidade surgiram as Escrituras que agora se conhecem como as do Novo Testamento. Nestes escritos o único tema do Espírito é Cristo. Nos Evangelhos estão registrados os atos que são necessários referentes à sua pessoa e ensino. Neles o vemos principalmente em esplêndida solidão, separado, mas no meio dos homens; glorioso em verdadeira e régia dignidade, como mostra a narração de Mateus; paciente em incessante serviço, conforme registra Marcos, supremo na realização do ideal divino da humanidade, como demonstra o Evangelho de Lucas, e misterioso na Majestade essencial da Deidade como declaram os escritos de João.

Em seguida segue esse tratado no qual Cristo é manifestado em nova união com os homens, continuando essa obra começada em isolamento, em cooperação com aqueles que estão unidos a ele pelo Espírito Santo. Este testemunho tem que ver quase exclusivamente com Cristo chamando para Si mesmo os homens para a remissão de pecados, para a renovação da vida, para a restauração da ordem perdida.

Passando disto, nos grandes escritos didáticos, o Espírito revela a Cristo como realizado no crente, e expressando-se a si mesmo por meio da igreja. Enquanto que nos Atos o vemos quase inteiramente chamando o pecador, nas epístolas o vemos quase exclusivamente em sua relação com aqueles que foram em obediência ao seu chamado. Depois, em Apocalipse, a um homem que está «no Espírito» lhe concedendo a própria visão que Cristo teve de sua vitória vindoura, e a consumação de todos os propósitos de Deus concernentes aos homens, fatos efetivos em Cristo.



Uma compreensão mais ampla e profunda de Cristo

Ao chegar a este ponto, os escritos estando completos, o Espírito não cessou a sua obra, melhor, a começou em toda a sua plenitude e formosura. Através dos séculos da era cristã pode traçar uma compreensão de Cristo sempre mais ampla e profunda, devido invariavelmente à revelação do Espírito à igreja de Cristo, uma revelação que constantemente está em harmonia com os escritos inspirados, de modo que não foi revelado nada fora dos atos inspirados, de modo que não foi revelado nada fora dos atos registrados naqueles, embora em uma compreensão sempre mais ampla, chegou esta sempre crescente apreciação de Cristo.

Podemos com segurança afirmar que a pessoa e obra de Jesus são melhores compreendidas agora do que antes, e que ele, pelo Espírito, está demandando e recebendo uma maior e mais profunda lealdade que em qualquer tempo passado. Esta afirmação se faz com um reconhecimento muito intenso de que o conflito que foi produzindo-se na periferia da revelação cristã se está concentrando ao redor da cidadela central da pessoa de Cristo. Em vista e na presença desse conflito, não há temor no coração de quem seja consciente da continuada presença e trabalho do Espírito. O resultado tem que ser uma nova vindicação da personalidade do Deus-homem, e uma nova apreciação daquilo que, relativo a ele, sempre estará além da possibilidade de declarações formuladas por parte do homem.

Assim se vê que o Santo Espírito da verdade, mediante processos de infinita paciência, seja com o indivíduo ou na história da raça, continua a sua sagrada obra de revelar a Cristo, interpretando a sua palavra e administrando a sua obra.

Tirado de "As Crises de Cristo".

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